Um camponês está sentado na varanda de casa, à toa.
Trecho do livro “A arte de pedir”, por Amanda Palmer.
Um amigo aparece para cumprimentá-lo e ouve um som medonho, um ganido agudo e prolongado, vindo de dentro da casa.
– Que som pavoroso é esse? – pergunta o amigo.
– É o meu cachorro – responde o camponês. – Está sentado num prego.
– Mas por que ele não levanta e sai dali? – quer saber o amigo.
O camponês pensa e então diz:
– Ainda não dói o suficiente.
Na primeira vez que li o trecho acima, não entendi muito bem a moral da história. Mas em vários momentos do livro, a autora faz referência a ele quando está contando sobre os períodos destrutivos da sua vida, como quando bebia demais, fazia besteiras por falta de cuidado ou os relacionamentos ruins que insistia em manter. Após todos eles, ela se perguntava o porquê continuava sempre fazendo os mesmos erros ou se colocando em situações similares. A resposta era sempre que ainda não doía o suficiente.
Fiquei pensando quais seriam meus “pregos que ainda não doíam o suficiente” e percebi que podia separá-los em vários grupos, desde os mais simples como lavar a pilha de louça suja ou a leitura dos livros de estudo acumulada há muito tempo, até as mais complexas, como aspectos financeiros e planejamentos à longo prazo. O mesmo valia para relacionamentos. Já estive em alguns que não me faziam bem, mas também não estavam me incomodando o suficiente a ponto de fazer o esforço pra terminá-los.
Uma vez, conversando com um amigo sobre esse tipo de situação, recebi o seguinte conselho: “você pode mudar isso agora ou esperar explodir para mudar”. O princípio é o mesmo, mude ou espere doer o suficiente. No caso específico daquela conversa, achei incômodo demais mudar, afinal já estava me sentindo sobrecarregado com tantas outras coisas na minha vida. Depois de um tempo, a situação explodiu na minha cara. De uma maneira bem feia. Doeu muito mais do que o suficiente.
Fiquei então pensando porque tinha escolhido esperar e um dos principais motivos foi que achei que já estava lidando com muitas coisas difíceis naquele momento. Hoje percebo que ignorei o fato de que dificilmente (para não dizer nunca) minha vida estaria totalmente tranquila a ponto de ter o tempo necessário para tomar uma decisão importante. O nível de importância ao qual me refiro é aquele que evitaria explosões na cara.
Quando ninguém está me cobrando para lidar com essas situações bomba-relógio, é fácil deixá-las de lado pela falta de tempo má definição de prioridades. Ferramentas como o calendário da sua vida em semanas ou os projetos tartarugas, podem ajudar nessas situações, mas nem sempre conseguem gerar a ação de levantar de cima de um prego que ainda não dói o suficiente.
Depois que li essa parábola, ele não sai mais da minha cabeça e fico constantemente me perguntando: o que eu posso mudar antes que doa o suficiente?
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